Brasília, DF — O cenário político nacional foca-se neste domingo (23) na Superintendência da Polícia Federal (PF) em Brasília, onde o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) será submetido a uma crucial audiência de custódia a partir das 12h. O procedimento ocorre um dia após a sua prisão domiciliar ter sido convertida em prisão preventiva por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
O Rito Obrigatório e a Situação da Detenção
A audiência de custódia é um procedimento obrigatório no sistema jurídico brasileiro, mesmo em decisões emanadas da mais alta Corte. Seu objetivo principal é permitir que um juiz avalie a legalidade da detenção, a necessidade da manutenção da prisão e verifique se houve quaisquer violações aos direitos do detido durante o processo de prisão.
Jair Bolsonaro está atualmente detido em uma sala de Estado Maior na PF de Brasília. Este espaço é reservado a autoridades e dispõe de condições diferenciadas, conforme já ocorreu em situações anteriores envolvendo outros ex-presidentes, como Luiz Inácio Lula da Silva e Michel Temer.
A decisão do ministro Alexandre de Moraes, que decretou a preventiva, estabeleceu diretrizes rigorosas:
-
Atendimento Médico Permanente: Garantia de acompanhamento de saúde contínuo ao ex-presidente.
-
Proibição de Algemas e Exposição: Determinação expressa de que não sejam utilizadas algemas e que o detido não seja exposto publicamente durante a custódia.
-
Controle de Visitas: Todas as visitas deverão ser previamente autorizadas pelo STF, com exceção dos seus advogados e médicos.
Tentativa de Violação da Tornozeleira Eletrônica
A conversão da prisão domiciliar em preventiva – a modalidade mais grave de detenção antes do trânsito em julgado – foi fortemente motivada por um episódio ocorrido na madrugada de sábado (22).
De acordo com informações divulgadas pela Polícia Federal, Bolsonaro admitiu ter tentado romper a tornozeleira eletrônica utilizando um ferro de solda. A perícia técnica da PF confirmou a versão, identificando marcas de calor e danos no equipamento de monitoramento.
Para o ministro Moraes, a tentativa de adulteração do dispositivo, somada ao risco de fuga e à reiteração delitiva (associada aos crimes pelos quais foi condenado), foram fatores determinantes para justificar a prisão preventiva. Após ser detido e levado à PF, o dispositivo eletrônico de Bolsonaro foi imediatamente removido.
Condenação e o Contexto Jurídico
A detenção atual não significa o início imediato do cumprimento da pena. Em setembro, a Primeira Turma do STF condenou o ex-presidente a 27 anos e 3 meses de reclusão por crimes ligados à tentativa de golpe de Estado e aos atos de 8 de Janeiro de 2023, quando apoiadores invadiram as sedes dos Três Poderes.
Apesar das penas elevadas, o cumprimento da sentença só se inicia após o trânsito em julgado (quando não há mais possibilidade de recurso). A defesa de Bolsonaro já sinalizou que recorrerá com embargos infringentes – um recurso que permite a reanálise da decisão em casos de placares não unânimes na Corte. Na sexta-feira (21), os advogados haviam protocolado um pedido para que Bolsonaro, citando um quadro de saúde “profundamente debilitado”, pudesse cumprir eventual pena em casa.
Reações Políticas e Defesa
A prisão preventiva gerou uma onda de reações e forte mobilização no campo político.
-
Defesa de Bolsonaro: Em nota pública, os advogados afirmaram que a prisão preventiva “causa profunda perplexidade” e levantam a preocupação de que a medida “pode colocar sua vida em risco” devido ao seu estado de saúde. A defesa contestou a motivação principal da prisão: a convocação de uma vigília por seu filho, o senador Flávio Bolsonaro, em frente ao seu condomínio, considerando-a insuficiente para justificar a medida drástica.
-
Aliados e Partido: O Partido Liberal (PL) classificou a prisão como “desnecessária”. A ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, que estava no Ceará, usou as redes sociais para dizer que “querem calar a voz” do marido e pediu mobilização e orações aos apoiadores. Governadores aliados, como Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP), manifestaram solidariedade e defenderam a inocência do ex-mandatário.
-
Oposição e Governo: No Congresso, parlamentares do PL criticaram a decisão, enquanto líderes governistas defenderam a legalidade e a constitucionalidade da ordem do STF. Dois ministros do governo Lula comentaram publicamente, apesar de uma orientação oficial para discrição: Gleisi Hoffmann (Relações Institucionais) afirmou que a medida segue o devido processo legal e classificou Bolsonaro como o “chefe da organização golpista”. Já Guilherme Boulos considerou o fato “um marco para a história” do país.