O Plenário da Câmara dos Deputados deu um passo significativo no combate ao crime organizado no Brasil ao aprovar, na última terça-feira (18), o Projeto de Lei (PL) batizado de "Antifacção" — ou, como foi denominado na Casa, o Marco Legal do Combate ao Crime Organizado. A matéria, originalmente enviada pelo Poder Executivo, foi aprovada na forma do substitutivo apresentado pelo relator, deputado Guilherme Derrite (PP-SP), e agora segue para análise e votação no Senado Federal.
A votação registrou uma ampla maioria favorável à proposta, com 370 votos a favor e 110 contrários, demonstrando a polarização e a intensidade do debate em torno do tema.
O "Domínio Social Estruturado": Novo Tipo Penal e Penas Severas
O cerne do texto aprovado está na tipificação da conduta de "domínio social estruturado". Esta é a principal novidade do projeto e visa atacar frontalmente a atuação de organizações criminosas ultraviolentas, além de milícias privadas e grupos paramilitares que exercem controle territorial e social sobre comunidades.
As penas previstas para este novo crime são extremamente rigorosas: de 20 a 40 anos de reclusão. No entanto, a legislação se torna ainda mais severa em casos específicos:
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Para as lideranças desses grupos criminosos.
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Quando houver o uso de tecnologia avançada, como o emprego de drones em suas operações.
Nesses casos de agravamento, a pena pode chegar a impressionantes 66 anos de reclusão.
Restrições no Cumprimento da Pena
O projeto aprovado estabelece medidas que tornam o cumprimento da pena mais rigoroso para os condenados pelo crime de "domínio social estruturado":
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Regime de Segurança Máxima: As lideranças desses grupos criminosos serão obrigadas a cumprir suas penas em presídios de segurança máxima.
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Vedação de Benefícios: Fica vedada a concessão de anistia, indulto e liberdade condicional para quem for condenado por este crime.
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Monitoramento de Encontros: O texto permite que os encontros de condenados realizados no parlatório ou por meio virtual com visitantes possam ser monitorados através de captação audiovisual e gravação, visando impedir a continuidade do comando criminoso de dentro das prisões.
Mudanças no Direito Eleitoral de Presos
Um ponto de grande controvérsia inserido no texto por meio de uma emenda é a restrição do direito ao voto de presos. A emenda aprovada simbolicamente veda o alistamento como eleitor para pessoas recolhidas a estabelecimento prisional, enquanto durar a privação de liberdade.
Mais especificamente, a medida determina o cancelamento do título de eleitor quando a pessoa estiver presa provisoriamente ou temporariamente. O objetivo central é impedir que presos provisórios e temporários votem, alterando a legislação eleitoral vigente.
Outra emenda aprovada, também de forma simbólica, insere no Código Penal medidas de bloqueio operacional e responsabilização pessoal específicas para o crime de receptação qualificada, endurecendo a punição para quem adquire, vende ou transporta produtos de origem criminosa de maneira organizada.
Tensão e Controvérsia com o Governo
A tramitação e a versão final do projeto foram marcadas por intensa controvérsia e tensão entre o relator e o Governo Federal. O Executivo, embora autor da proposta original, acabou orientando contra a aprovação do substitutivo de Derrite, que é Secretário de Segurança Pública de São Paulo e se licenciou do cargo para relatar o PL.
As principais críticas do governo e da base aliada miraram dois pontos centrais:
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Criação do Tipo Penal: Os governistas expressaram descontentamento com a criação do novo tipo penal de "domínio social estruturado" na forma como foi redigido pelo relator.
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Destinação de Bens Apreendidos: Houve discordância sobre a destinação dos recursos provenientes de bens apreendidos em operações policiais. O texto final aprovado prevê que esses recursos sejam destinados ao Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP), enquanto o Governo defendia que o destino fosse o Fundo Nacional Antidrogas (Funad), especialmente em operações que envolvam a Polícia Federal.
O relator, inclusive, foi alvo de acusações de tentar atacar a autonomia da Polícia Federal e de ameaçar a soberania nacional em versões anteriores de seu relatório. Derrite recuou de alterar a Lei Antiterrorismo e reinseriu no texto competências da Receita Federal, mas o substitutivo final permaneceu impopular entre os governistas.
O projeto segue agora para a apreciação dos senadores, onde o debate acalorado sobre o combate ao crime organizado e as mudanças no Código Penal e na Lei Eleitoral deverá continuar.