Órgãos de controle e municípios questionam critérios de rateio; AM teve suspensão da campanha na capital e devolução de remessa no interior. Em hospitais e postos, quem está na linha de frente vê falta de prioridade.
SÃO PAULO E MANAUS - Após a euforia do começo da imunização, o número limitado de doses de vacina contra a covid-19 distribuídas pelo Brasil cria conflitos. Cidades, muitas delas vizinhas, reclamam da quantidade recebida. De outro lado, profissionais de saúde e hospitais disputam remessas e trocam acusações de favorecimento. Os órgãos de controle também questionam critérios de rateio e investigam os fura-fila – as denúncias envolvem secretários e até prefeitos.
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O Ministério da Saúde estima que o 1.º lote de 6 milhões de doses da Coronavac é suficiente para as duas aplicações em 2,8 milhões de pessoas – 4% dos 68,8 milhões dos grupos prioritários do Plano Nacional de Imunização (PNI). Agora, o público-alvo são profissionais de saúde, idosos em residenciais de longa permanência e indígenas. Com doses limitadas, em muitos casos a conta não fecha.
O conflito mais notório foi no Amazonas. Ministério Público, Defensoria e Tribunal de Contas questionaram divergências de dados da divisão entre municípios e cobraram a lista de vacinados. Manaus, que viu hospitais colapsarem por falta de oxigênio há onze dias, até suspendeu a vacinação de quinta-feira a sábado, 23, após denúncias de desvios e fura-fila – a Justiça questiona o motivo de a secretária municipal de Saúde, Shádia Fraxe, ter sido imunizada.
A prefeitura de Manaus não comenta a lista, mas promete um comitê de ética para apurar casos e impor sanções. A Justiça mandou vetar a 2.ª dose para quem tomou indevidamente e determinou a divulgação diária da lista de vacinados.
Tabatinga – na tríplice fronteira com Peru e Colômbia – teve de devolver 3.657 doses após o governo estadual refazer contas. Já Parintins, Coari, Autazes e Novo Airão alegam ter recebido menos que o anunciado pelo Estado, que não explicou as divergências. Segundo o governo, de 58 cidades abastecidas, 33 receberam só a 1.ª dose, por questões de armazenamento, e só Tabatinga recebeu a mais.
Entre cidades vizinhas na Bahia, total de unidades varia de 130 a 1,7 mil
No sul da Bahia, as cidades de Banzaê e Euclides da Cunha receberam 1.712 e 1,1 mil doses, respectivamente. As vizinhas Ribeira do Pombal e Itapicuru levaram 343 e 130. Todas têm cerca de 50 mil moradores. Fábio Villas Boas, secretário de Saúde da Bahia, admite receber queixas. “Muitos não sabem os critérios. Às vezes, as cidades têm o mesmo número de habitantes, mas uma tem índios ou hospitais.” Do total de Banzaê e Euclides, por exemplo, 80% são para indígenas.
São José da Lapa, na Grande Belo Horizonte, também contesta. São 372 profissionais de saúde e 87 idosos em instituições de longa permanência. A cidade recebeu 97 doses, mas esperava 670. O prefeito Diego Silva (Avante) diz ter calculado prioritários na população de 25 mil. “Não encontramos lógica no total de vacinas enviadas para alguns municípios e no número menor para outros.”
Em nota, a Secretaria de Saúde de Minas informa que o rateio foi conforme “dados alimentados pelos gestores municipais” em sistemas federais e afirma ter reserva para suprir possíveis divergências.
Presidente do Conselho de Secretários de Saúde e titular do Maranhão, Carlos Lula também vê insistência de prefeitos. “Ligam, mandam e-mail, mensagem de WhatsApp e até sinal de fumaça. Perdemos um bom tempo para conversar e acalmá-los. A pressão vai ser até conseguirmos imunizar todos”, diz ele, sem citar os insatisfeitos. Nos próximos dias, devem ser distribuídas mais 4,1 milhões de doses da Coronavac, além de dois milhões da vacina de Oxford, trazidas da Índia.
1ª remessa é suficiente para imunizar só 34% dos profissionais do setor
A vacina também opõe colegas da saúde. Com o 1.º lote, só há o suficiente para imunizar 34% dos trabalhadores da área. A orientação é priorizar os da linha de frente contra a covid-19, mas há denúncias de desrespeito aos critérios ou assimetrias entre unidades de saúde da mesma região.