Investigação aponta que Gustavo Pontes Miranda utilizou "operadora" para lavar dinheiro do SUS em imóveis de alto padrão e lanchas; discrepância em atendimentos médicos revela fraude sistêmica.
A Polícia Federal deflagrou uma ofensiva que expõe as entranhas de um suposto esquema de corrupção encastelado na Secretaria de Saúde de Alagoas (Sesau). O principal alvo é o médico Gustavo Pontes Miranda, secretário de Saúde afastado na última terça-feira por ordem do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5). A investigação aponta para um desvio sistemático de recursos do Sistema Único de Saúde (SUS) que ultrapassa a marca de R$ 100 milhões.
O Elo de Confiança: Mansões e Flats sob Suspeita
No centro da engrenagem financeira do esquema está Andreia Araújo Cavalcante. Segundo os relatórios da PF, Andreia não era apenas uma figura próxima ao secretário, mas atuava como uma espécie de "cônjuge de fato" e operadora financeira dos recursos desviados.
Interceptações telefônicas revelaram um alto nível de intimidade e um padrão de vida incompatível com a realidade declarada de Andreia. Entre 2023 e 2024, ela movimentou R$ 4,99 milhões em suas contas bancárias, valor astronômico para quem é proprietária de uma pequena loja de roupas em Brasília com capital social de apenas R$ 5 mil.
O patrimônio mapeado pela PF inclui:
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Mansão em Brasília: Localizada no Setor de Mansões Park Way (SMPW), adquirida por R$ 1,69 milhão. O próprio Gustavo assinou uma confissão de dívida para garantir o pagamento das parcelas.
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Flat na Beira-Mar: Um imóvel de luxo no bairro Cruz das Almas, em Maceió, avaliado em R$ 797 mil, com sinal pago pouco antes da operação.
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Regalias: Uso de motoristas particulares e aluguel de lanchas de luxo para passeios na Barra de São Miguel, custeados por fornecedores da Secretaria de Saúde.
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Funcionária Fantasma e Vínculos Públicos
Mesmo residindo na capital federal, Andreia mantinha dois vínculos públicos ativos em Alagoas: um na própria Sesau e outro na Assembleia Legislativa (ALE-AL). A PF sustenta que ela jamais compareceu ao trabalho, recebendo somas que, juntas, totalizaram cerca de R$ 299 mil em um curto período — valores que, ainda assim, não explicariam as aquisições imobiliárias.
A Fraude dos "Exames Impossíveis" na Clínica NOT
A peça-chave do esquema seria o Núcleo de Ortopedia e Traumatologia (NOT), em Maceió. Gustavo Pontes Miranda foi sócio da clínica até junho de 2023, mas a PF acredita que sua saída foi uma "manobra de fachada".
Após o desligamento formal do secretário, a clínica foi rapidamente credenciada no programa Mais Saúde/Especialidades. A partir daí, a produção da NOT atingiu números que desafiam a lógica e a biologia:
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Em fevereiro de 2024: A clínica declarou 22.752 sessões de fisioterapia em um único mês.
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A conta impossível: Para realizar tal volume com apenas seis fisioterapeutas, a clínica teria que atender 95 pacientes por hora, funcionando 24 horas por dia, sem interrupções.
Mesmo com indícios claros de fraude na prestação de contas, a Secretaria de Saúde empenhou mais de R$ 2,3 milhões apenas para estes serviços de fisioterapia em um intervalo de seis meses.
Sobrenome de Peso e a Resposta da Defesa
A queda de Gustavo Pontes Miranda causa choque na sociedade alagoana devido às suas raízes familiares. Ele é sobrinho-bisneto de ícones brasileiros: a psiquiatra Nise da Silveira e o jurista Pontes de Miranda.
Em nota, o secretário afastado classificou a operação como um "abuso" e negou qualquer irregularidade. Miranda afirma que sua gestão foi pautada pela transparência e que nunca praticou ilícitos em três décadas de carreira médica. Sua defesa também contesta a competência da Polícia Federal, alegando que não houve uso de verbas da União — tese rebatida pelos investigadores, que rastrearam a origem dos repasses via SUS.
Próximos Passos
A Polícia Federal continua analisando o material apreendido e não descarta novas fases da operação, focando agora nas empresas de produtos médicos e construtoras que realizaram depósitos nas contas ligadas ao grupo. O afastamento determinado pelo TRF-5 é por tempo indeterminado enquanto as investigações avançam.