Tribunal de Contas da União apura "indícios de irregularidades" e "suposto desvio de finalidade" em evento organizado pela Veredas Gestão Cultural e patrocinado pela Petrobras, que deveria ser um festival cultural, mas se tornou comício partidário.
O Tribunal de Contas da União (TCU) abriu uma investigação de alta relevância sobre o uso de recursos incentivados pela Lei Rouanet em um evento que celebrou o Dia do Trabalhador e que contou com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do deputado federal Guilherme Boulos (PSOL-SP). O ato, realizado em 1º de maio de 2024 no estádio do Corinthians, em São Paulo, está sob escrutínio por indícios de ter se transformado em um comício político-partidário, desvirtuando sua finalidade cultural original.
Indícios de Desvio de Finalidade e Alertas Ignorados
O relator do caso, ministro Benjamin Zymler, acolheu a denúncia apresentada pela bancada do Partido Novo na Câmara dos Deputados e identificou "indícios de irregularidades" após uma análise preliminar. Ele determinou que a Petrobras, a empresa organizadora Veredas Gestão Cultural e o Ministério da Cultura — responsável pela aprovação da captação via Lei Rouanet — prestem esclarecimentos no prazo de 15 dias.
A principal suspeita apontada pela área técnica do TCU é de “suposto desvio de finalidade”. O projeto cultural aprovado previa um espetáculo musical com o objetivo de celebrar o Dia do Trabalhador e valorizar o samba. No entanto, o evento acabou se notabilizando como um ato político em plena pré-campanha das eleições municipais de 2024, nas quais Guilherme Boulos disputava a Prefeitura de São Paulo.
O relatório do TCU destaca que o comício foi marcado, inclusive, por um pedido explícito de votos de Lula em favor de Boulos, o que é vedado pela legislação eleitoral.
Inconsistências na Execução Financeira e Orçamentária
Além do desvio de finalidade política, a auditoria do TCU revelou diversas inconsistências na execução do projeto:
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Execução Financeira Incompleta: Até agosto de 2025, havia comprovação de apenas R$ 2,5 milhões dos R$ 3,19 milhões captados via Lei Rouanet.
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Contraste entre Projeto e Realidade: O projeto original previa 270 dias de execução e a realização de ações em 20 municípios. No entanto, o patrocínio da Petrobras restringiu o alcance do evento a apenas cinco cidades, e o ato central ocorreu em apenas um dia (1º de maio).
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Concentração de Despesas Administrativas: O relatório identificou uma alta concentração orçamentária, com 27,7% do valor total — cerca de R$ 1,75 milhão — sendo destinado a despesas administrativas executadas na cidade de São Bernardo do Campo (SP).
O TCU também apontou que o sistema interno do Ministério da Cultura chegou a registrar notificações automáticas sobre essas inconformidades, mas os alertas não teriam sido devidamente tratados pela pasta antes da abertura da investigação.
Patrocínio da Petrobras e o Contexto do Evento
Em nota oficial, a Petrobras informou que o patrocínio de recursos incentivados não foi voltado especificamente para o ato de 1º de maio, mas sim para um festival cultural que seria realizado em várias cidades do estado de São Paulo ao longo de 2024. A estatal defendeu a legalidade da sua contribuição.
"O patrocínio passou por rigorosa análise técnica e sua aprovação obedeceu a todos os trâmites previstos, incluindo regras internas de governança e normas externas à companhia. Os aportes financeiros foram realizados conforme estabelecido contratualmente”, declarou a empresa.
O evento, que reuniu centrais sindicais e apoiadores, foi notório também pela baixa mobilização de público, uma questão que foi publicamente lamentada pelo próprio presidente Lula no microfone. Na ocasião, o presidente afirmou que o esforço não foi suficiente para levar a quantidade de gente esperada, embora tenha tentado minimizar o impacto.
Até a publicação desta notícia, o Ministério da Cultura e a Veredas Gestão Cultural não haviam se manifestado sobre as diligências determinadas pelo TCU. A investigação prossegue e pode ter desdobramentos significativos sobre a fiscalização do uso da Lei Rouanet e a separação entre projetos culturais incentivados e atos de natureza político-partidária.