A Controladoria-Geral da União (CGU) informou que vai apurar um contrato de R$ 285,8 milhões, com dispensa de licitação, firmado pelo Ministério da Saúde com uma microempresa com apenas um funcionário registrado, ao menos até março. O acordo, assinado em abril, foi para fornecimento de 293,5 mil frascos de imunoglobulina humana. O caso foi relevado pelo Metrópoles em setembro.
Em despacho assinado no último dia 23, o ministro da CGU, Vinícius de Carvalho, informou que irá incluir a análise do contrato na programação da controladoria para avaliação no último trimestre deste ano. A decisão se deu após pedido de auditoria feito pelo deputado federal Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP), com base na reportagem do Metrópoles.
“Entendemos ser necessário que a CGU realize auditoria para avaliar se a referida dispensa de licitação ocorreu em conformidade com a legislação e os princípios da administração pública”, pediu o deputado em ofício encaminhado no dia 26 de setembro.
O ministro explicou ao parlamentar que a controladoria atua conforme um plano operacional anual, que “contém as ações a serem executadas no exercício, planejadas em função da análise de relevância, materialidade, criticidade e riscos dos objetos a serem avaliados considerando ainda a” capacidade operacional do órgão. Como não há trabalhos em andamento que tenham como foco o referido contrato, o ministro decidiu incluir uma auditoria na programação.
O Ministério da Saúde firmou o contrato sem licitação com a Auramedi, na condição de representante da chinesa Nanjing Pharmacare. A sede da Auramedi é uma casa em um centro empresarial de Aparecida de Goiânia, região metropolitana da capital. O Metrópoles esteve lá na última sexta-feira (22/9), em horário comercial, mas o local estava fechado.
Imunoglobulina é um medicamento hemoderivado, ou seja, produzido a partir do sangue, usado para melhorar a imunidade de pacientes acometidos por uma série de doenças, como a síndrome de Guillain-Barré. A sua falta no Sistema Único de Saúde (SUS) coloca em risco a vida de pessoas que dependem do remédio.
A empresa e o único sócio, Fábio Granieri de Oliveira, são réus por improbidade administrativa em uma ação popular no Tribunal de Justiça do Pará.
A denúncia, recebida pelo Judiciário, aponta suspeita de fraude em uma contratação, também com dispensa de licitação, durante a pandemia da Covid-19 no município de Parauapebas. Apesar disso, a companhia não tem restrições para participar de licitações ou firmar contratos com o Poder Público.
Em setembro, Fábio enviou uma nota à reportagem dizendo que as informações veiculadas “a respeito da Nanjing Pharmacare” são equivocadas.
O Ministério da Saúde, por sua vez, informou que a compra emergencial visa evitar o desabastecimento de imunoglobulina e que a aquisição seguiu regulamentação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que trata de critérios para importação em caráter de excepcionalidade.
O ministério frisou, ainda, que a aquisição emergencial ocorreu após recomendação de fevereiro deste ano do TCU, até que a situação excepcional de indisponibilidade no mercado nacional fosse resolvida.
A pasta também pontuou que vinha recebendo os medicamentos da empresa, conforme o cronograma, e que a empresa estava regular no momento da contratação.
Operação Vampiro
A Nanjing também é representada no Brasil pela Panamerican Medical Supply, que tem como um dos sócios Marcelo Pupkin Pitta, empresário do ramo que já foi preso na Operação Vampiro, em 2004, e, de novo, em 2007. As investigações apuraram suspeita de fraude em licitação no Ministério da Saúde, justamente em compras de medicamentos hemoderivados, incluindo imunoglobulina.
A Panamerican chegou a fornecer imunoglobulina enviados pela Nanjing ao ministério em contratos recentes. Foram dois contratos volumosos, no total de R$ 647,2 milhões, com o Ministério da Saúde, em 2021 e 2022, durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Do valor dos dois contratos, parte foi paga neste ano, já no governo Lula.
Outro contrato
O mesmo processo de dispensa de licitação que acabou com a contratação da Auramedi, na condição de representante da Nanjing, também gerou um contrato de R$ 87 milhões com a Farma Medical, que assina o contrato na condição de representante nacional da Prime Pharma LLC, dos Emirados Árabes. A empresa não entregou os medicamentos e, no mês passado, o ministério estava cumprindo as etapas necessárias para a suspensão do contrato.
TCU apura
A presidência do TCU autorizou uma auditoria dos contratos firmados, como mostrado pelo Metrópoles na semana passada. A investigação foi autorizada após pedido do deputado federal Kim Kataguiri (União-SP).