‘Em briga de marido e mulher, se mete a colher’, diz delegada de Mulheres de BH

Estudos indicam que a violência contra a mulher cresceu durante a quarentena em países onde foi instituído o isolamento social. Em Belo Horizonte, apesar da queda no número de ocorrências registradas, autoridades estão atentas aos casos. Titular da Divisão Especializada em Atendimento à Mulher, ao Idoso, à Pessoa com Deficiência e Vítimas de Intolerância, Isabella Franca Oliveira, de 34 anos, destaca as medidas adotadas até mesmo para facilitar a vítima a fazer as queixas. Nesta entrevista, a delegada, que está na Polícia Civil mineira desde 2009, comenta as ações realizadas e a necessidade de denunciar as agressões para evitar uma tragédia. Confira!
   

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Recentemente, o Senado Federal alertou para o aumento de casos de violência doméstica por conta do isolamento social. Há um receio por parte da Divisão de um crescimento desses casos em BH? Com certeza é uma grande preocupação o possível aumento da violência doméstica e familiar contra a mulher e outros grupos vulneráveis, como crianças e idosos, em Belo Horizonte e Minas Gerais. Alguns países que viveram ou estão vivendo o distanciamento social há mais tempo, como a China, apresentaram crescimento nos casos. Segundo dados do Ligue 180, a quarentena recomendada por governos estaduais e municipais para conter a propagação do novo coronavírus elevou quase 9% o número de ligações para o canal. A média diária de 1º a 16 de março foi de 3.045 ligações e 829 denúncias registradas, contra 3.303 ligações e 978 denúncias registradas de 17 a 25 deste mês. Alguns estados tiveram um aumento no número de ocorrências e até mesmo de feminicídios desde o início do distanciamento social. Em Minas, os registros de violência doméstica e familiar contra a mulher reduziram cerca de 13% em março comparado com o mesmo período de 2019. Já em Belo Horizonte, a redução chegou a 23%.
Há possibilidade de subnotificação do registro das ocorrências? Os dados servem de alerta para a Segurança Pública e precisam ser analisados com cuidado para verificar se realmente ocorreu uma diminuição dos casos de violência doméstica ou se, na realidade, há maior subnotificação, ou seja, essas situações estão ocorrendo e as mulheres não estão conseguindo acessar os serviços de atendimento. Precisamos identificar ainda se a subnotificação decorre da necessidade de ela ficar em casa e, muitas vezes, na companhia do seu agressor. Na análise, devemos levar em consideração a data dos fatos, uma vez que o registro pode ter sido realizado durante o isolamento social, mas referir-se a acontecimentos anteriores, além da possibilidade de o registro ocorrer somente após o fim do isolamento e se tratar de fatos durante o período que estamos vivendo.
 
“A Delegacia de Plantão Especializada em Atendimento à Mulher em Belo Horizonte continua funcionando 24 horas (na quarentena) para receber as ocorrências da PM bem como atender imediatamente os casos urgentes de violência doméstica e familiar”
 
Como as autoridades policiais tomam conhecimento desses casos? Eles chegam à Polícia Civil através da condução pela Polícia Militar, comparecimento da vítima à unidade policial e das denúncias pelo Ligue 180.
 
Como lidar com a violência contra a mulher nessa quarentena? O que ela precisa fazer e como denunciar os casos? O isolamento social é necessário para diminuir a propagação da Covid-19. Entretanto, para algumas mulheres a casa não é um local seguro, uma vez que ficará mais tempo com o seu agressor. Urge mencionar que as dificuldades econômicas, o estresse, o medo do contágio e a incerteza dos próximos dias aumentam a possibilidade de conflitos. Recomenda-se que a mulher tenha contato de familiares e vizinhos a quem possa pedir ajuda em casos de violência, caso não seja possível acionar a polícia. Para evitar aglomeração unidades, temos realizado atendimentos agendados e telefônicos, inclusive para registro de ocorrências e solicitação de medidas protetivas. Isso garante o acesso às medidas protetivas de urgência, importantíssimo instrumento no enfrentamento à violência. Nos casos urgentes, o atendimento continua sendo presencial e imediato em qualquer horário e dia da semana, 24 horas. 
 
Alguma ferramenta específica para denunciar esses casos foi ou está sendo criada? O governo de Minas lançou, em março, o aplicativo MG Mulher, que possibilita à ela criar uma rede colaborativa, formada por amigos, familiares e vizinhos, e acioná-los com um único comando em situações de emergência. O aplicativo envia imediatamente um SMS para toda a rede com a localização dela e o pedido de ajuda. A mulher pode e deve denunciar qualquer tipo de violência sofrida através do Ligue 180. Em caso de urgência, acionar a PM pelo 190. Em BH, tem a delegacia especializada pelos telefones (31) 3330-5752 ou 5715.
“Na semana de 13 de abril, duas mulheres foram mortas em BH, e elas não tinham BOs contra os companheiros. É difícil acreditar que o feminicídio foi a primeira violência. Verifica-se a importância da denúncia e pedido de medidas protetivas”
 
Muitas vezes, a própria mulher violentada não quer denunciar a agressão. Como um parente ou amigo pode proceder nesses casos? Há vários fatores que a levam a não denunciar a violência sofrida, como medo do agressor, vergonha, preocupação com a criação dos filhos, dependência financeira, acreditar que não existe punição, que seria a última vez. Dessa forma, qualquer pessoa que tomar conhecimento da prática de violência doméstica pode e deve denunciar, possibilitando a atuação de toda a rede de atendimento, seja acionando o Ligue 180, que recebe denúncias anônimas ou identificadas. Em caso de urgência, é possível ligar para o 190 e, localizado os envolvidos e constatada a violência, a PM fará a prisão do agressor em flagrante. Todos temos um importante papel no enfrentamento da violência contra a mulher, prevenindo a prática de crimes mais graves, como o feminicídio. Em briga de marido e mulher, se mete a colher. 
[caption id="attachment_68466" align="alignnone" width="653"] Fabiane Otoni/Divulgação[/caption]
A denúncia e a punição ao agressor ajudam, de fato, na mudança de comportamento do homem? Na maior parte dos casos sim. A denúncia e a punição quebram a crença de certos homens na impunidade como motivadora de reiterados atos de violência. Também, pela denúncia, muitas outras ações, visando a mudança de comportamento dos agressores, são desencadeadas pelos diversos órgãos de defesa da mulher, como tratamento psicológico, orientação de profissionais da área, bem como os grupos reflexivos de homens. A lei 13.984, de 3 de abril de 2020, estabelece como medidas protetivas a serem determinadas pelo juiz o comparecimento do agressor a programas de recuperação e reeducação e acompanhamento psicossocial, por meio de atendimento individual e/ou em grupo de apoio. Ressalta-se ainda a necessidade de conversar sobre machismo, misoginia, sexismo, igualdade de gênero, masculinidade tóxica, violência contra a mulher, dentre outros temas, em diversos ambientes, tais como escolar, profissional e acadêmico, com o intuito de promover uma mudança efetiva de comportamento dos homens antes mesmo de se tornarem agressores. 

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