Brasília, DF - A decisão proferida na manhã desta sexta-feira (12) pelo Ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), de anular a votação da Câmara dos Deputados e decretar a perda imediata do mandato da Deputada Federal Carla Zambelli (PL-SP), abriu um novo e profundo capítulo na crise de relacionamento e nas disputas de competência entre o Poder Legislativo e o Poder Judiciário. O cerne do embate reside, mais uma vez, na definição sobre qual dos Poderes detém a última palavra constitucional para cassar o mandato de parlamentares condenados criminalmente.
O Argumento de Moraes: Atribuição Exclusiva do Judiciário
Em seu parecer incisivo, o Ministro Alexandre de Moraes fundamentou a decisão com base em dispositivos constitucionais, sustentando que a competência para decretar a perda do mandato de um congressista condenado em última instância (com trânsito em julgado) é atribuição exclusiva do Poder Judiciário.
Moraes enfatizou que, uma vez consolidada a condenação criminal definitiva, a Mesa Diretora da Câmara dos Deputados deveria ter cumprido um mero "ato administrativo vinculado", ou seja, apenas declarar a perda do mandato, sem a necessidade de submeter o caso ao plenário da Casa.
"A Constituição Federal atribui ao Poder Judiciário a competência para declarar a perda de mandato de parlamentares condenados criminalmente com trânsito em julgado. A Mesa Diretora da Câmara deveria apenas declarar a perda do mandato, ou seja, editar ato administrativo vinculado", pontuou o Ministro no despacho.
Hugo Motta e a Inversão de Posição
A polêmica é acentuada pela postura do próprio Presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), que demonstrou uma clara inversão de posicionamento sob pressão política.
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Visão Inicial (Junho): Em junho deste ano, Motta manifestou publicamente uma visão idêntica à de Moraes, afirmando que, com o trânsito em julgado da condenação de Zambelli, não cabia a ele "colocar isso (a cassação) em votação". Na ocasião, ele declarou: "Já tem a condenação. A decisão judicial tem que ser cumprida".
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O Recuo (Dia Seguinte): No entanto, apenas um dia depois, após ser alvo de forte pressão da chamada "base bolsonarista" no Congresso, o Presidente da Câmara recuou de forma enfática. Ele passou a defender que a prerrogativa final era da Casa, afirmando: "O plenário é quem tem a legitimidade desta Casa e ele decide para onde a Casa vai. Ele é soberano e está acima de cada um de nós".
A Votação Noturna na Câmara e a Sobrevivência de Zambelli
A decisão final da Câmara sobre o destino de Zambelli demorou seis meses para ser agendada e ocorreu de forma atípica, na madrugada dessa quinta-feira (11/12), em uma sessão com quórum visivelmente esvaziado.
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Resultado da Votação: O placar final registrou 227 votos favoráveis à cassação, 110 contrários e 10 abstenções.
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A Salvação: O resultado foi suficiente para salvar o mandato da parlamentar bolsonarista, pois o regimento exigia uma maioria qualificada de pelo menos 257 votos (maioria absoluta) para a cassação ser efetivada.
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Tentativa de Adiamento Ignorada: Durante a sessão, o Presidente Hugo Motta chegou a tentar convencer os poucos deputados presentes a adiarem a análise para o dia seguinte, alegando o baixo quórum, mas seu pedido foi ignorado e a votação seguiu até o final.
A Anulação do STF: Violação Constitucional
A reação do Supremo Tribunal Federal foi praticamente imediata, chegando menos de 24 horas após o encerramento da sessão da Câmara. Em sua decisão que anulou a votação, Moraes foi categórico ao afirmar que o plenário da Câmara violou os artigos 55, III e VI, da Constituição Federal, que estabelecem as hipóteses de perda de mandato parlamentar decorrente de condenação criminal transitada em julgado.
O Ministro classificou a ação do Legislativo como um desrespeito frontal à Carta Magna:
“Trata-se de ato nulo, por evidente inconstitucionalidade, presentes tanto o desrespeito aos princípios da legalidade, moralidade e impessoalidade, quanto flagrante desvio de finalidade”, concluiu Moraes.
A decisão do STF recoloca o Judiciário no centro da tensão política, após um breve período em que o foco do embate se concentrou em quem teria o poder de decidir sobre o afastamento de Ministros da Corte. A determinação de Moraes reafirma a prerrogativa do Supremo em temas de cassação decorrente de condenação criminal, mas promete intensificar o clima de confronto com a cúpula do Congresso Nacional.
A Câmara dos Deputados deve se manifestar oficialmente sobre a decisão de Moraes ainda hoje.