
Esquema
No esquema investigado pela polícia, a organização social Associação de Moradores Jacinto Paz, que recebe dinheiro da Prefeitura para administrar creches na zona sul de São Paulo, fez pagamentos a duas empresas: uma construtora, WMR, e uma distribuidora de material escolar, Águia. Os repasses somam R$ 1,5 milhão. O montante chamou a atenção do Coaf porque ambas são registradas como empresas de pequeno porte. Entre 2019 e 2020, período da investigação, a associação Jacinto Paz recebeu R$ 20,6 milhões da Prefeitura para atender cinco creches em Santo Amaro, reduto eleitoral do prefeito. A entidade é presidida pelo casal Andrea Miranda e Gilson dos Santos. Ela trabalhou na campanha que reelegeu Nunes na Câmara Municipal, em 2016. O Estadão identificou que Andrea consta na prestação de contas entregue pelo prefeito à Justiça Eleitoral. Os pagamentos foram registrados como “despesas com pessoal”. Os repasses da associação comandada por Andrea e o marido às duas empresas foram feitos sem licitação, uma vez que entidades dessa natureza são dispensadas da obrigação de fazer processos licitatórios. O Coaf, no entanto, apontou que tanto a WMR quanto a Águia também fizeram transferências consideradas suspeitas em suas contas. Além de saques em espécie e compensações de cheques, que dificultam o rastreamento do dinheiro, o órgão de controle identificou uma série de pagamentos para a conta de uma outra empresa de Gilson dos Santos (o administrador da associação Jacinto Paz e marido de Andréa), que depois foram parar na conta pessoal dele.Coaf identificou repasses a entidade que administra creches
A investigação da Polícia Civil sobre lavagem de dinheiro desviado de creches de São Paulo envolve também a Associação Amigos da Criança e do Adolescente (Acria), outra entidade contratada pela Secretaria Municipal de Educação da capital ligada ao prefeito Ricardo Nunes. O Coaf identificou que as empresas WMR e Águia, suspeitas de simular transações comerciais para limpar dinheiro ilícito, fizeram 29 repasses para a entidade, que somam R$ 974 mil, entre dezembro de 2018 e setembro de 2020. Chamou a atenção dos investigadores que apenas um desses pagamentos somou R$ 122 mil. A investigação apura as razões dessas transferências, uma vez que a entidade, sem fins lucrativos, não presta serviços senão a gestão de creches para a Prefeitura de São Paulo, segundo informações de seu próprio site. A presidente da Acria, Elaine Targino, também trabalhou com o prefeito. Ela foi funcionária de uma das empresas de Nunes entre 2005 e 2008 e, desde que ele virou vereador, passou a pedir votos para Nunes nas redes sociais, além de manter fotos no Facebook com ele, a quem chama de “chefe”. Nas eleições passadas, ela também fez campanha para o candidato a vereador que era apoiado por Nunes, Marcelo Messias (MDB), que foi eleito. Como o Estadão revelou em outubro, antes da eleição, a Acria contratou a empresa da família do prefeito, a dedetizadora Nikkey, por R$ 50 mil ao longo de 2019. Esses repasses não estão na relação de transações sob investigação. O prefeito disse à época que a empresa de sua família foi contratada para oferecer o serviço de dedetização às creches administradas pela associação, e que cobrou valores abaixo do preço de mercado porque conhecia o trabalho da entidade. A reportagem procurou a Acria, a Jacinto Paz, a WMR e a Distribuidora Águia, além de seus representantes, em 14 telefones diferentes, ao longo das duas últimas semanas. Nenhum deles foi localizado para comentar o inquérito. A 1.ª Delegacia de Polícia de Crimes contra a Administração e Lavagem de Dinheiro, que cuida do caso, e a Promotoria de Crimes Tributários, Organizações Criminosas e Lavagem de Dinheiro, que estão encarregadas do caso, informaram à reportagem que a investigação está sob sigilo e não fizeram comentários.Nunes nega que seja investigado
A Prefeitura de São Paulo negou que haja uma investigação policial contra o prefeito Ricardo Nunes e informou, por nota, que o prefeito não tem relações nem proximidade com as pessoas citadas no inquérito por lavagem de dinheiro do qual ele é alvo. A nota afirma que a Prefeitura “repudia veementemente as reiteradas tentativas de colocar em dúvida a reputação do prefeito”. O inquérito está sob sigilo e, segundo o Estadão apurou, a defesa do prefeito ainda não foi procurada para prestar esclarecimentos à polícia. De acordo com a nota, enviada pela Secretaria Especial de Comunicação, Nunes “está à disposição das autoridades competentes para prestar eventuais esclarecimentos, como já o fez em outras apurações já encerradas por não comprovarem irregularidades”. “O prefeito sempre se pautou pela lisura e legalidade em suas atividades privadas e na sua vida pública.”