A manutenção da tornozeleira eletrônica para o ex-presidente Jair Bolsonaro pelo Supremo Tribunal Federal escancara divergências internas na Corte, enquanto movimenta o tabuleiro político no Legislativo, expondo fissuras na base da centro-direita.
STF Mantém Medidas Cautelares e Expõe Divisões na Primeira Turma
A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por um placar de quatro votos a um, manter as medidas cautelares impostas ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Entre as restrições mais notáveis está o uso de tornozeleira eletrônica, além de outras obrigações que limitam sua movimentação e comunicação. A deliberação, que ocorreu em ambiente de crescente tensão política, consolidou a posição da maioria da turma em relação à necessidade de vigilância sobre o investigado, no âmbito de inquéritos que apuram supostas tentativas de abolição do Estado Democrático de Direito e outros atos antidemocráticos.
O voto do relator do caso, ministro Alexandre de Moraes, foi decisivo e recebeu o acompanhamento integral dos ministros Flávio Dino, Cristiano Zanin e Cármen Lúcia. A convergência da maioria reforça o entendimento de que há elementos substanciais para justificar as restrições à liberdade do ex-presidente, visando evitar a obstrução da justiça ou a continuidade de ações que possam atentar contra as instituições.
O Voto Dissidente de Luiz Fux: Um Ponto de Contraponto
A única voz dissonante na sessão da Primeira Turma foi a do ministro Luiz Fux. Ele votou contra a aplicação das medidas cautelares, argumentando que não foram apresentadas provas concretas que justificassem tal rigor, como indícios claros de risco de fuga ou de obstrução à justiça. Em seu voto, o ministro foi enfático ao afirmar que a amplitude das restrições impõe uma “desproporcional restrição a direitos fundamentais”, citando expressamente a liberdade de ir e vir, de expressão e de comunicação.
A posição de Fux, que também se destaca por ter sido o único da Turma a ter seu visto americano mantido – um detalhe que, embora não diretamente ligado à decisão da tornozeleira, ressoa no imaginário público sobre a situação de Bolsonaro –, tem sido vista com uma ponta de esperança pelas defesas dos investigados. O ministro tem se consolidado como um contraponto a decisões mais enérgicas do ministro Alexandre de Moraes dentro da Primeira Turma. Em março, por exemplo, quando Bolsonaro se tornou réu, Fux votou a favor do recebimento da denúncia, mas fez uma série de ressalvas importantes sobre a competência do STF para julgar todos os casos do 8 de janeiro e a proporcionalidade de algumas penas. Essa postura, embora não altere o placar final, pode abrir caminhos para a articulação de novos tipos de recursos e estratégias defensivas, apostando na possibilidade de um racha mais profundo em futuras votações.
Apesar de sua relevância no campo jurídico, as divergências de Fux, por ora, são insuficientes para alterar a complexa situação legal de Bolsonaro, que segue sob a vigilância do Judiciário.
Cautela do Ex-Presidente Diante do Cenário
Diante do crescente risco de uma eventual prisão, o ex-presidente Jair Bolsonaro optou pela cautela nesta terça-feira, 22 de julho, evitando qualquer movimento público que pudesse ser interpretado como um desafio às autoridades. Ele passou grande parte do dia na sede do Partido Liberal (PL), em Brasília, realizando reuniões a portas fechadas com aliados e assessores próximos, antes de retornar à sua residência. A ausência de Bolsonaro em uma coletiva de imprensa da oposição na Câmara dos Deputados, previamente cogitada para demonstrar força política, reforça a estratégia de discrição adotada por sua equipe jurídica e política, buscando minimizar riscos e reações.
Divergências no Congresso Nacional: PL x Presidência da Câmara
As recentes decisões do STF e a pressão sobre Bolsonaro também catalisaram divergências significativas no Congresso Nacional, especialmente entre representantes da centro-direita. De um lado, o presidente da Câmara dos Deputados em exercício, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do outro, o Partido Liberal (PL), legenda do ex-presidente, que busca defender seus quadros e sua agenda política.
Mesmo em um período de recesso extraoficial, parlamentares do PL tentaram forçar o funcionamento de comissões temáticas sob sua liderança. O objetivo era claro: votar moções de apoio irrestrito a Jair Bolsonaro e possivelmente avançar em projetos considerados prioritários pela oposição, como propostas de anistia para os envolvidos nos atos de 8 de janeiro e outras iniciativas que visam limitar a atuação do Supremo Tribunal Federal, consideradas pelo grupo como excessivas ou invasivas à autonomia do Legislativo.
O Embate sobre o Recesso e a Agenda Legislativa
Contudo, o movimento do PL foi prontamente barrado por Hugo Motta, que impôs a proibição de sessões até o dia 1º de agosto. A decisão de Motta gerou forte reação no PL. O líder da bancada na Câmara, deputado Sóstenes Cavalcante (RJ), não hesitou em classificar a medida como “antirregimental e ilegal”. Segundo Cavalcante, “a única decisão que deveríamos nos submeter era pelo presidente em exercício [Elmar Nascimento]”, sinalizando um descontentamento profundo com a gestão da pauta da Casa e uma tentativa de esvaziar a força política da oposição.
Em sua defesa, Hugo Motta justificou que a Câmara é a "Casa do Povo" e que convocar comissões durante o recesso restringe a participação de seus membros, prejudicando o debate democrático e a representatividade. Além disso, a ordem de Motta impede o PL de articular a votação de projetos polêmicos que poderiam acirrar ainda mais a relação entre o Legislativo e o Judiciário, em um momento de fragilidade institucional e política.
Futuro de Eduardo Bolsonaro: Mandato em Risco e Implicações Políticas
Outro ponto de intensa articulação nos corredores do Congresso é a situação do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP). Licenciado de seu cargo até o último domingo, o filho do ex-presidente enfrenta o risco iminente de perder o mandato, caso não reassuma suas funções ou encontre uma alternativa legal que o mantenha com foro privilegiado. A oposição busca ativamente formas de assegurar a permanência de Eduardo na Câmara, ciente de sua importância estratégica para o movimento conservador.
Entre as alternativas discutidas, estão tentativas de mudar o regimento interno da Câmara para criar um novo tipo de licença ou mandato sem perda de direitos, ou a articulação para que ele seja nomeado secretário estadual em algum governo aliado – medida que lhe garantiria o foro e o afastaria da alçada da primeira instância. Esta última opção, no entanto, já encontra resistência ferrenha do Partido dos Trabalhadores (PT), que sinalizou a intenção de barrar qualquer movimento desse tipo no Supremo Tribunal Federal, alegando desvio de finalidade ou manobra para manutenção indevida de foro.
A avaliação nos bastidores políticos é que a perda do mandato por Eduardo Bolsonaro não apenas enfraqueceria sua posição junto a autoridades americanas – especialmente em um contexto de investigações internacionais relacionadas a atos antidemocráticos e desinformação, onde seu papel é frequentemente citado –, mas também representaria um golpe significativo em seu capital político e na coesão do bolsonarismo no Congresso. A situação de Eduardo, portanto, é um termômetro da capacidade de articulação da oposição e da resiliência do grupo político do ex-presidente frente às adversidades jurídicas e institucionais que se avolumam.