EUA poderiam bloquear GPS no Brasil? Entenda como funciona sistema de geolocalização

A tensão entre Brasil e Estados Unidos atingiu um novo e perigoso patamar, com a confirmação da revogação do visto de entrada do Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, em território americano. O anúncio, feito por fontes ligadas ao Departamento de Estado dos EUA, é a mais recente escalada de uma crise diplomática que tem se aprofundado com acusações crescentes de Washington sobre uma suposta "caça às bruxas" política contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus apoiadores no Brasil.

A medida, que impede Moraes de viajar aos Estados Unidos, foi ecoada por influentes figuras políticas americanas. O senador Marco Rubio, uma voz proeminente no cenário conservador dos EUA e crítico aberto das ações do judiciário brasileiro, tem reiteradamente defendido que as investigações no Brasil configuram perseguição política, o que teria sido um dos catalisadores para a decisão da diplomacia americana.

Sanções Além da Restrição de Vistos: O Alerta de Washington

O cenário se agrava ainda mais com informações obtidas pela BBC News, que corroboram relatos iniciais da Folha de S.Paulo. Segundo essas informações, a revogação de vistos de Moraes e, possivelmente, de outros integrantes da Corte e figuras ligadas ao governo brasileiro, seria "apenas o começo" de um pacote de sanções muito mais amplo e de alto impacto. Aliados do ex-presidente Bolsonaro teriam sido alertados por membros do Departamento de Estado dos EUA sobre a gravidade das próximas medidas cogitadas. Entre as punições inéditas que estariam em estudo, destacam-se:

  • Tarifas de Importação Duplicadas: Aumento das tarifas de importação de produtos brasileiros de 50% para 100%. Uma medida como essa poderia devastar setores exportadores vitais para a economia brasileira, como agronegócio e manufaturados, gerando um impacto econômico direto e severo.
  • Punições Coordenadas com a OTAN: Adoção de sanções econômicas e diplomáticas em conjunto com a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), ampliando significativamente o isolamento internacional do Brasil e afetando suas relações comerciais e estratégicas com as maiores economias do mundo.
  • Bloqueio de Satélites e GPS: A mais dramática e tecnicamente complexa das ameaças, levantando a possibilidade de interferência no acesso do Brasil a sistemas globais de geolocalização e comunicação por satélite.

A Complexidade Técnica do GPS: É Possível "Cortar" o Sinal para um País?

Diante da alarmante possibilidade de um bloqueio de GPS, um sistema essencial para a vida moderna, a BBC News buscou esclarecimentos com especialistas para compreender a viabilidade e as implicações de tal medida.

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O Sistema de Posicionamento Global (GPS) em Detalhes

Sistema de Posicionamento Global (GPS), sigla em inglês para Global Positioning System, é uma rede de satélites em órbita terrestre que fornece informações precisas de tempo e localização para receptores em qualquer lugar do planeta. Desenvolvido pelo Departamento de Defesa dos EUA no final do século 20, sua criação foi impulsionada pela corrida espacial, especialmente após o lançamento do Sputnik pela União Soviética em 1957.

Originalmente projetado para fins militares — como direcionamento de mísseis, navegação de tropas e coordenação de manobras táticas —, o GPS passou a ser amplamente utilizado para fins civis a partir dos anos 1990. Hoje, é a espinha dorsal de inúmeras aplicações, desde sistemas de navegação em carros e celulares, passando por aeronaves e embarcações, até o controle do tráfego aéreo, logística de transporte, cartografia, monitoramento ambiental e até mesmo sincronização de redes de telecomunicações e transações financeiras.

Atualmente, a constelação de GPS conta com cerca de 31 satélites em operação, distribuídos em seis planos orbitais ao redor da Terra. Essa configuração garante que, em qualquer ponto do planeta, pelo menos quatro satélites estejam visíveis para um receptor. Esse número mínimo é crucial, pois cada satélite transmite continuamente um sinal de rádio com sua posição e o horário exato de emissão, baseado em relógios atômicos de precisão inigualável. O receptor mede o tempo que o sinal leva para chegar e, com base nisso, calcula sua distância em relação a cada satélite, triangulando sua posição com alta precisão.

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O GPS oferece dois tipos de serviço: o Standard Positioning Service (SPS), disponível gratuitamente para todos os usuários civis no mundo, e o Precise Positioning Service (PPS), de uso restrito às forças armadas americanas e seus aliados estratégicos.

A Viabilidade de um Bloqueio Nacional de GPS

A ideia de "cortar" o sinal de GPS especificamente para um país como o Brasil é vista como extremamente complexa e improvável, segundo especialistas. O engenheiro Eduardo Tude, presidente da Teleco e autoridade em Redes Ópticas e Comunicações por Satélite, explica a dificuldade técnica.

“Os sinais transmitidos pelos satélites do GPS são unidirecionais; eles partem do espaço e atingem, ao mesmo tempo, receptores em qualquer parte do mundo. É como uma transmissão de TV aberta”, explica Tude. “É muito difícil bloquear isso apenas para um país, pois o sistema transmite globalmente. Se os EUA resolvessem fazer isso, teriam que mexer na forma como o sinal é transmitido, o que em termos práticos, seria inviável, especialmente no curto prazo, e afetaria outros países e até mesmo seus próprios sistemas militares e civis.”

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Tude classifica um bloqueio seletivo e total do GPS para um país como um "ato de sabotagem" de proporções incalculáveis.

Interferências Localizadas: Jamming e Spoofing

Apesar da inviabilidade de um bloqueio nacional completo e seletivo, existem técnicas que podem interferir localmente no funcionamento do GPS:

  • Jamming: Consiste em usar dispositivos em terra que emitem ondas de rádio na mesma frequência do GPS, mas com maior intensidade, "afogando" o sinal original dos satélites. Esta técnica pode ser usada em zonas de conflito ou áreas de interesse estratégico. Um exemplo notório ocorreu em maio de 2024, quando a Rússia provocou interrupções em sistemas de navegação por satélite que afetaram milhares de voos civis e até aeronaves militares que sobrevoavam áreas próximas ao seu território, utilizando sistemas avançados de guerra eletrônica como o Zhitel e Pole-21.
  • Spoofing: Mais sofisticado, o spoofing consiste em enganar o receptor GPS, substituindo os sinais legítimos por falsos, fazendo com que o aparelho indique uma localização incorreta, desviando ou confundindo o usuário.

A engenheira mecânica Luísa Santos, especialista em Indústria e Sistemas Aeroespaciais pela Universidade de Buenos Aires (UBA), também avalia a possibilidade de os americanos restringirem ou degradarem o sistema para fins diplomáticos como remota. “Embora o sinal civil seja fornecido 'gratuitamente', os EUA mantêm a capacidade de negar ou degradar o acesso a determinadas regiões. Contudo, acredito ser muito difícil devido às complexas questões diplomáticas de longo prazo que temos com os EUA e o impacto global de uma medida como essa”, afirma Santos.

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O Cenário Pós-GPS: Alternativas e Resiliência Global

Uma hipotética e improvável restrição do GPS teria ramificações profundas em diversos setores civis. Além dos transportes (aviação, navegação marítima e logística), as telecomunicações e a energia seriam gravemente afetadas, já que suas redes dependem da precisão do tempo fornecido pelo GPS para sincronização. Mesmo o setor bancário e financeiro utiliza o sistema para garantir o tempo exato em transações eletrônicas.

No entanto, o mundo não estaria completamente no escuro. Enquanto as forças armadas dos EUA manteriam acesso aos sinais militares criptografados, existem outros Sistemas Globais de Navegação por Satélite (GNSS), desenvolvidos por outras nações, que podem servir como alternativas ou complementos:

  • GLONASS: O sistema russo.
  • BeiDou: O sistema chinês.
  • Galileo: O sistema da União Europeia.
  • NavIC: O sistema regional da Índia.
  • QZSS: O sistema regional do Japão.

“Esses sistemas são interoperáveis, e a maioria dos dispositivos modernos, como celulares, aviões e navios, já funciona em conjunto com múltiplas constelações de satélites”, explica Luísa Santos. “Há também sistemas de backup terrestres, como o eLoran (Navegação de Longo Alcance Aprimorada), em uso em alguns países, para garantir posicionamento e tempo mesmo na ausência de sinais de satélite.”

A divulgadora científica Ana Apleiade, mestranda em Astrofísica na Universidade de São Paulo (USP), reforça a visão de que, mesmo em um cenário de restrição do GPS, a conectividade não seria completamente perdida. “Embora improvável, tecnicamente os Estados Unidos poderiam restringir ou degradar o sinal civil do GPS em determinadas regiões. Ainda assim, o Brasil e o mundo não ficariam completamente no escuro. O GPS não é mais o único sistema disponível, e a maioria dos equipamentos modernos já é compatível com múltiplas constelações”, conclui Apleiade, enfatizando que tal medida é “um assunto muito mais delicado do que simplesmente apertar um botão para desligar”.

A escalada das tensões diplomáticas entre Brasil e EUA coloca em xeque não apenas as relações bilaterais, mas também o futuro da cooperação em diversas áreas estratégicas, mantendo o Brasil e a comunidade internacional em estado de alerta.

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