Rio de Janeiro, RJ - Um desdobramento chocante da megaoperação policial que resultou em um dos maiores números de mortes em confrontos na história do estado está sendo investigado pela Polícia Civil do Rio de Janeiro. A instituição abriu um inquérito para apurar a suspeita de manipulação de cadáveres de criminosos mortos no Complexo da Penha, na Zona Norte da capital fluminense, com o objetivo de incriminar policiais por supostos abusos.
O foco da investigação, a cargo da 22ª Delegacia de Polícia (Penha), recai sobre indivíduos que teriam removido corpos do local do confronto – uma área de mata conhecida como Vacaria – despido os cadáveres de vestimentas táticas (como roupas camufladas e coletes) e, possivelmente, forjado ferimentos a faca para simular execuções e distorcer a atuação das forças de segurança.
A Batalha na Mata e a Exposição na Praça
A maior parte do confronto entre policiais e membros do Comando Vermelho (CV) ocorreu na Vacaria, uma área de densa mata na parte alta das favelas do Complexo da Penha.
Na madrugada desta quinta-feira (29), horas após a operação, a cena de guerra urbana ganhou um novo e polêmico capítulo: pessoas ainda não identificadas, cuja ligação com o tráfico ou a comunidade é incerta, iniciaram a retirada maciça de cadáveres do matagal.
Esses corpos foram enfileirados e expostos publicamente na Praça São Lucas, no coração do Complexo da Penha. O motivo alegado pelos responsáveis era permitir o reconhecimento por familiares. Contudo, as autoridades policiais destacaram que o procedimento padrão legal exige que a remoção de mortos seja feita exclusivamente por agentes de segurança e do Instituto Médico Legal (IML), sendo o reconhecimento oficial realizado no necrotério.
A imagem da chocante fileira de dezenas de corpos estendidos no chão da praça rapidamente circulou pela imprensa nacional e internacional, gerando forte repercussão. Simultaneamente, começaram a surgir boatos e denúncias atribuídas a supostos ativistas de direitos humanos de que os corpos apresentariam ferimentos a faca, o que, se confirmado, sugeriria execuções sumárias por parte dos agentes de segurança.
Polícia Reage: "Trocaram de Roupa"
Em uma coletiva de imprensa convocada no início da manhã, a cúpula da Polícia Civil e Militar reagiu veementemente à exposição e às denúncias.
O secretário de Polícia Civil, Felipe Curi, exibiu vídeos que mostravam os indivíduos que posteriormente apareceram mortos na praça anteriormente equipados com roupas camufladas, coletes à prova de balas e armamentos de guerra.
"Esses indivíduos estavam na mata, equipados com roupas camufladas, coletes e armamentos. Agora, muitos deles surgem apenas de cueca ou short, sem qualquer equipamento — como se tivessem atravessado um portal e trocado de roupa. Temos imagens que mostram pessoas retirando esses criminosos da mata e os colocando em vias públicas, despindo-os”, declarou Curi, apontando para a clara tentativa de manipulação.
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O secretário não hesitou em levantar a suspeita de uma fraude ainda maior: "Eu não me surpreenderia se eles aparecessem com lesões a faca para incriminar os policiais", afirmou, destacando o grau de desinformação e possível manipulação de provas.
O coronel Marcelo de Menezes Nogueira, secretário da Polícia Militar, corroborou a narrativa: “A gente observa a retirada das roupas táticas dos corpos por pessoas que estavam acompanhando. Vemos a retirada de um coturno de uma das vítimas”, confirmou.
Balanço Oficial: 119 Mortos e Apreensões de Guerra
O inquérito da 22ª DP investigará a participação de moradores na remoção e retirada de roupas, que é tratada pela polícia como possível tentativa de manipulação de provas para distorcer a realidade do confronto e macular o trabalho das forças de segurança.
Enquanto os boatos de ativistas e moradores falavam em mais de 70 corpos encontrados, o secretário Felipe Curi atualizou o balanço oficial da "Operação Contenção":
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Total de Mortos: 119 (4 policiais e 115 "narcoterroristas").
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Nota: A Polícia classifica os criminosos mortos como “opositores” ou “autores de crimes” por terem cometido tentativa de homicídio contra os agentes, que são classificados como vítimas. Os corpos levados pelos moradores não estavam inicialmente contabilizados no balanço oficial.
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Presos: 113 (incluindo 33 de outros estados e 10 menores infratores).
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Apreensões de Armamentos:
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91 fuzis
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26 pistolas
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1 revólver
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Toneladas de drogas (em fase de contagem)
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A operação, planejada por dois meses e baseada em um ano de investigações, visava cumprir 100 mandados de prisão contra líderes do Comando Vermelho, incluindo indivíduos oriundos do Pará.
Durante os combates, que transformaram a região em um cenário de guerra urbana, os criminosos reagiram com fuzis e até mesmo o lançamento de granadas por meio de drones contra as forças de segurança. A maioria das mortes dos "opositores" ocorreu na mata da Vacaria, onde, segundo a polícia, os traficantes recuaram após a invasão das favelas pelas áreas mais baixas.