Golpe do Amor: 96% dos sequestros em SP são por aplicativo de namoro

Em 2023, dos 51 casos de sequestro na maior cidade do país, 49 ocorreram por meio de aplicativos de namoro. Todos eles ocorreram com homens.

Na maioria das vezes o app usado é o Tinder, mas também há registros de sequestro via Inner Circle e Happn.

Os dados são da Divisão Antissequestro de São Paulo e foram confirmados pela Secretaria de Segurança Pública.

Essa modalidade de sequestro, hoje, é predominante e equivale a 96% dos casos. Em números absolutos, 2022 foi o ano com maior número de sequestros iniciados via app de namoro — 115 ao todo. A proporção em relação ao total estava próxima a 90%.

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Em nenhuma outra capital brasileira acontecem tantos crimes a partir de apps de namoro, o que torna o "golpe do amor" um crime tipicamente paulistano.

Crime e constrangimento

A porcentagem mostra que o perfil dos sequestros em São Paulo mudou com o passar dos anos.

A criação do PIX, a facilidade de acessar contas bancárias por aplicativos e a popularização dos apps de relacionamento alteraram o modus operandi das quadrilhas.

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Desta forma, a vítima é levada para um cativeiro, mas é libertada dias depois, quando não há mais dinheiro para tirar dela. Os criminosos não exigem resgate.

"[Em sequestros via app de namoro] O criminoso pode preparar a armadilha; ele controla tudo. Não é como ter de entrar em contato com a família e pedir dinheiro para libertar. É mais fácil", explica Guaracy Mingardi, analista criminal e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Exatamente por isso, Guaracy acredita que os números devam ser ainda maiores.

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"Nem todo mundo presta queixa porque a pessoa fica com vergonha, acha que vai passar por trouxa. Se no caso do roubo simples a subnotificação é de 40%, imagina num golpe desses", pondera.

Como agem as quadrilhas

A selfie de uma loira com um cropped decotado, marquinha de biquíni e shorts jeans foi usada de isca em um dos casos registrados pela polícia em 2023. "Gabriela" era o nome do perfil, mas quem trocava mensagens com a vítima era um criminoso.

A moça da foto não faz parte da quadrilha e nem imagina que sua foto foi usada em um crime.

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Um mesmo perfil, "Lais Olive", foi usado mais de uma vez para atrair homens. A quadrilha também usava indevidamente fotos de uma mulher que não estava envolvida no delito.

O delegado da Divisão Antissequestro, Fábio Nelson Fernandes, comentava com colegas policiais quando ela aparecia em um caso: "Lais está aprontando de novo?".

Imagem: Reprodução

 

Depois da troca de mensagens por app, a conversa migra para o WhatsApp - caminho natural para as paqueras.

O papo serve para descobrir mais coisas sobre a possível vítima, detalhes sobre sua condição financeira e stalkear suas redes sociais.

"Todos os casos que acompanhamos foram de vítimas homens com idades entre 25 a 60 anos", quase sempre solteiros, preferencialmente entre 30 e 40 anos e com boa condição financeira, explica o delegado Fernandes.

Fernandes explica que alguns casos não chegam à Divisão Antissequestro e são resolvidos por delegacias especializadas — principalmente nos bairros de Brasilândia e Taipas, na zona norte de São Paulo, e Jaguaré, na zona oeste, onde a maioria dos crimes acontece.

Ainda assim, a Divisão é informada dos crimes, que os inclui nas análises, estudos e cruzamentos de dados.

Fotos 'atraentes' e conversas banais

As conversas entre a vítima e a suposta pretendente giram em torno de amenidades, com gentilezas e perguntas sobre o dia da pessoa, com "bom dia" e "boa noite".

"No máximo a pessoa que interage com a vítima diz que vai rolar uma noite legal quando houver o encontro, mas não há um tom sexualizado", diz o delegado.

Os homens ouvidos pela reportagem admitem que acabam caindo por algo típico do gênero masculino: "se uma mulher bonita está me dando mole, como vou dizer não?".

Muitos marcam o encontro em um lugar público para se precaver. "Mas, em cima da hora, a mulher inventa uma desculpa, diz que o pneu furou e que o homem precisa buscá-la em casa", detalha o delegado Fernandes.

Chegando ao local, a pessoa é abordada por criminosos e feita refém. Dá voltas em um carro ou é levada para um imóvel.

Enquanto é mantida em cativeiro, os bandidos fazem transações bancárias via PIX e compras por cartão de crédito.

Em geral, o sequestro dura entre dois e três dias. Dos 164 casos de 2022 e 2023, cinco vítimas morreram por reagirem ao sequestro.

O papel das mulheres

Quando há mulheres nas quadrilhas - muitas vezes namoradas de um dos bandidos —, ela usa sua própria foto. Acontece de mandar áudio e fazer chamada de vídeo com o homem, o que dificulta a percepção do perigo.

"A garota chega a ir a um restaurante e aí ela o convida a esticar a noite. O homem pensa: 'Poxa, uma mulher me chamando para um lugar íntimo', e vai", diz a advogada Bruna Bezerra Federsoni, que já atendeu mais de dez vítimas de "golpes do amor", ajudando a reaver o dinheiro roubado junto aos bancos.

Em um caso de 2023, o sequestro se deu após um encontro num shopping center. "Ela chamou uma amiga, sugerindo que eles sairiam a três. O homem ficou todo feliz", explica o delegado Fernandes. Uma das garotas era namorada de um criminoso.

'Fui pego mesmo seguindo dicas de segurança'

O paulista Jorge*, 45, conheceu Helen, na faixa dos 20 anos, em setembro de 2023, e diz ter se encantado. "Ela era muito atraente, tinha cabelos escuros, lisos, corpo atlético, era carinhosa. Criamos uma amizade."

Jorge insistiu para ter uma conversa por chamada de vídeo antes de conhecê-la pessoalmente. Depois de dias se esquivando, Helen aceitou. "Conversamos, vi sua família passando atrás dela no vídeo. Ela dizia que era estudante de enfermagem, postava fotos na faculdade. Tudo se encaixava."

O primeiro encontro foi marcado num local público. "Ela pediu que fosse buscá-la, mas neguei. Deu o endereço de um mercado na zona norte de São Paulo. Cheguei, dei uma volta, não vi nenhuma movimentação estranha. Parei e, em pouco tempo, fui abordado por dois homens armados. Foi tudo muito rápido", relembra.

Foram dois dias de cativeiro e R$ 20 mil perdidos até Jorge ser solto. A liberdade foi acelerada por outra medida de segurança: ele havia avisado um amigo e passado o endereço do encontro.

Esse amigo, ao telefonar várias vezes no dia seguinte e não ser atendido, avisou o irmão de Jorge e a polícia sobre o desaparecimento.

O irmão ligou para a gerente do banco e pediu que a conta fosse bloqueada. Ao perceber que não conseguia acessar mais o dinheiro da vítima, a quadrilha o libertou.

Quando Jorge foi solto e retornou as ligações, a polícia foi acionada e o encontrou em dez minutos.

"Foi o pior dia da minha vida. Espero que sirva para as pessoas se conscientizarem de que estamos sob risco iminente nessas plataformas", diz ele, que já teve relacionamentos sérios com mulheres que conheceu pelo Tinder.

Agora, a briga é na Justiça para ter o dinheiro de volta - já conseguiu a metade.

Imagem: Arte/UOL

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