Em diferentes culturas, ovo de Páscoa remete a fertilidade, renovação e luto

Ao mirar o único ovo coletado pelo naturalista Charles Darwin (1809-1882) que sobreviveu ao tempo, um funcionário do museu que o conserva, na Inglaterra, referiu-se a ele como "ovo de Páscoa de Darwin". Duas características o levaram a isso: a inscrição na casca, "C. Darwin", e a cor marrom, de chocolate.
 

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Ainda que a guloseima tenha surgido só no século 18, pelas mãos de confeiteiros parisienses, ovos de aves simbolizam o renascimento antes mesmo de os cristãos celebrarem a ressurreição de Cristo -e o final da longa Quaresma- no domingo de Páscoa.
Identificados por uma autora americana como uma das coisas mais privadas do mundo (antes de serem quebrados), os ovos pertencem a uma cultura antiquíssima. Foram eleitos por gregos e romanos símbolo da passagem do inverno para a primavera, para celebrar o início de um período de abundância das colheitas e de renovação da vida.
Também como sinal de fertilidade, prosperidade e regeneração da vida ao final do inverno surge o ritual de trocar ovos. A tradição de decorá-los veio depois. Registros indicam que nasce como forma de aproveitar os ovos que eram perdidos na Quaresma, quando era proibido comê-los.
O costume de oferecer ovos decorados persistiu na Idade Média com a temática cristã, carregada de imagens sacras. Foi nas cortes de reis que a prática ganhou refinamento, incorporando materiais como ouro e pedras preciosas.
Na França do século 15, em particular na região da Alsácia, eram cozidos e depois pintados –prática que se repetia em regiões de países como Alemanha, Bulgária, Estônia, Estados Unidos e Rússia.
Nesse país, aliás, onde a Páscoa é chamada de "Pascha", ovos são pintados ou cozidos com substâncias que dão cor, como cascas de cebolas. Também era costume entre as mulheres usar joias com pedras preciosas em formato de ovos nas festividades da Páscoa.
Quiçá tenha sido esse hábito que influenciou o ourives e joalheiro Peter Carl Fabergé (1846- 1920) a criar valiosos e sofisticados ovos. Ele usava esmaltação para deixá-los bem coloridos, explicitava referências às cores de pedras preciosas, de pérola e de várias tonalidades do ouro.
O czar Alexander 3º (1845-1894) tomou uma das peças, o "Ovo de Galinha", para presentear a imperatriz Marie Fedorovna, que depois recebeu outros nove exemplares assinados por Fabergé. Todos os cerca de 56 da série imperial, quando abertos, mostravam algo inesperado, relata Dinah Bueno Pezzolo, em "A Pérola - História, Cultura e Mercado".
Em contradição, o ovo simboliza o luto na Páscoa judaica, época em que se lembra a fuga dos judeus do Egito, quando escaparam da perseguição de um faraó e lembra-se a destruição dos templos de Jerusalém. Ao mesmo tempo, seu formato simboliza o fato de a vida dar voltas, como a passagem da escravidão para a liberdade.
Uma boneca, uma bicicleta e um ovo de Páscoa. Esses foram os três pedidos que uma sobrinha do humorista Grande Otelo (1915-1993) deixou inscritos em uma carta endereçada ao tio, às vésperas das festividades religiosas.
Eram os anos 1970, a vida estava difícil, o dinheiro mal dava para as despesas básicas, – mas já estava no imaginário das crianças o ritual de receber ovos de chocolate.
Também se espalharam, ao longo do tempo, brincadeiras de caça aos ovos em países como EUA, Canadá e Inglaterra. Na Bélgica, é costume as crianças fazerem ninhos de palha à espera dos coelhos. Outra alusão frequente no período, aliás, é justamente a esse animal, em certas culturas incumbido de trazer os ovos ou escondê-los para as crianças.
Na Itália, são comuns os ovos-surpresa, embrulhados em papéis coloridos, a esconder doces, pequenas lembranças ou brinquedos.
Bem, percorreu-se um longo caminho para que as primeiras plantações de cacau nas florestas do México, em 1.200 a.C., dessem origem à bebida achocolatada, que existe ao menos desde o século 6 a.C., e, mais tarde, às barras de chocolate, cuja matéria-prima se tornou a base dos ovos de Páscoa no século 18.
Nos primórdios, a semente de cacau era rara, usada como moeda, à semelhança das pedras preciosas. Dela se fazia a bebida que ganhou reinos e banquetes luxuosos, aromatizada com baunilha, flores, sementes de urucum, pimenta, mel e, às vezes, cogumelos alucinógenos.
Após o descobrimento da América, os espanhóis conheceram o chocolate e levaram as primeiras mudas de cacaueiro à Europa. Foram eles que apresentaram, inclusive, a bebida feita de chocolate, com adição de açúcar extraído da cana, aos reinos da Espanha.
A bebida chegou à França em 1615, diz-se que por ocasião do casamento de Luís 13º. Depois, tornou-se tradição servi-la três vezes ao dia no palácio de Versailles.
Foi a industrialização que deslocou o chocolate, à época também presente na forma de tabletes secos e quebradiços, ao universo popular. Espalhou-se em fórmulas e formatos e hoje, ainda que variem em qualidade e preço, mantêm um eixo comum: a capacidade de confortar.
Já libertou a chef Heloísa Bacellar, do restaurante Lá da Venda, por exemplo, de uma tristeza profunda. No livro "Chocolate Todo Dia", ela relata o dia em que chorava e quebrou um tablete, fechou os olhos e colocou um pedacinho na boca. "Senti o chocolate se desmanchar na língua e no céu da boca, se transformar em algo quente, cremoso, aveludado, delicioso, doce e amargo ao mesmo tempo e terminar deixando uma sensação de conforto."
O ovo de Páscoa, pois, não se encerra na sua matéria-prima nem tampouco na sua forma, mas no que há de essencial em muitas culturas, a celebração da renovação.

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