Quem é Márcia, a faz-tudo do prefeito Marcelo Crivella

De início, foi uma frase: “A Márcia trabalha comigo há 15 anos”, disse o prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella. “Márcia, por favor.” Uma mulher negra e baixa, de braços largos e com a expressão encabulada, levantou-se de uma cadeira nos fundos do majestoso salão do segundo andar do Palácio da Cidade, uma das sedes da administração municipal, no bairro de Botafogo. A matéria continua após a publicidade Até então a assessora Márcia da Rosa Pereira Nunes era uma cidadã anônima. Ela atravessou o lugar com um bloco de notas nas mãos, espremendo-se entre cerca de 250 pastores e líderes de igrejas evangélicas até alcançar o chefe. “Se os irmãos tiverem alguém na igreja com problema de catarata, se os irmãos conhecerem alguém, por favor falem com a Márcia”, disse Crivella ao lado da assessora, que costuma representá-lo em agendas com diretores de hospitais municipais e federais do Rio de Janeiro. “Ela conhece os diretores de toda a rede federal, conhece o diretor de Ipanema, da Lagoa, do Andaraí, de Bonsucesso, do Fundão, conhece os diretores de todos os hospitais da rede municipal que eu já apresentei a ela, que já vieram e almoçaram conosco, de maneira que ela me representa em todos esses setores. Miguel Couto, Souza Aguiar, Lourenço, Salgado, Piedade e vai por aí afora”, continuou, emendando: “É só conversar com a Márcia, que ela vai anotar, vai encaminhar e, daqui a uma semana ou duas, eles estão operando”. A plateia estava reunida durante o “Café da Comunhão”, um evento secreto convocado um dia antes por WhatsApp para que pastores levassem à prefeitura demandas variadas de igrejas e fiéis, a relação de suas igrejas e o número de membros. Tudo a convite “de nosso amado e querido prefeito Marcelo Crivella e dos pré-candidatos Rubens Teixeira e Raphael Leandro”.

Samba da Márcia

[playlist ids="16015"] Na ocasião, a equipe de assessores acomodou os seguidores diante de comida e bebida e mandou garçons para servi-los. Quarenta minutos antes da chegada de Crivella, a chefe do cerimonial buscou o microfone para advertir que ninguém tirasse selfies ou fotografasse o prefeito. Três pedidos de impeachment de Crivella foram protocolados na Câmara Municipal do Rio de Janeiro quando vieram a público as ofertas de benesses do prefeito do Rio. A oposição quer seu impeachment. Servidores pediram demissão. Aliados políticos emitiram críticas públicas. O Ministério Público ajuizou uma ação contra o prefeito por improbidade na Justiça. E Márcia deixou o sossegado anonimato, sendo obrigada a bloquear até a linha telefônica que mais usava. A 90 dias do primeiro turno das eleições, e a apenas 16 do início das convenções partidárias, o evento de Crivella parecia ter um mote: espalhar a mensagem útil de que a prefeitura estava à disposição dos evangélicos. Uma chance para que a máquina municipal fosse utilizada em prol dos apoiadores do prefeito e bispo licenciado: “Vamos aproveitar esse tempo na prefeitura para arrumar nossas igrejas”, bradou Crivella no microfone. Assessora parlamentar de Crivella desde os tempos em que ele ocupava uma cadeira no Senado, Márcia foi nomeada em função de confiança na Companhia Municipal de Limpeza Urbana (Comlurb) no início de 2017, assim que o chefe assumiu a gestão municipal. Durante o evento no Palácio da Cidade, foi citada ao menos sete vezes pelo prefeito, sempre na condição de canal ideal para a solução de problemas junto à prefeitura. Crivella chegou a entabular uma miniaula de assistencialismo. Além de cataratas, apontou às eleitoras o que fazer sobre problemas de varizes. “A maioria são mulheres que estouram uma variz na perna e abrem uma ferida que não fecha. E a senhora apenas troca o curativo. Hoje existe uma maneira: injeta na veia dela uma espuma medicinal e fecha a ferida. Uma bênção. Também por favor falem com a Márcia”, continuou. “É muito importante os irmãos ficarem com o telefone da Márcia, porque às vezes ocorre um imprevisto. Se houver caso de emergência, liga. Liga para a Márcia e ela liga para mim.” De simples assessora, Márcia virou meme, manifestação e até letra de samba. Designada por Crivella com outros três assessores para anotar as demandas que surgiam de igrejas da capital, mas também dos mais variados grotões evangélicos do estado, Márcia inspirou o evento “Vamos falar com a Márcia?” no Facebook. Dos 46.232 convidados, 11.604 se interessaram pelo evento e 5.307 confirmaram presença. Mais tarde, um grupo de manifestantes ocupou a sede da prefeitura, na Cidade Nova.
O prefeito Marcelo Crivella, do PRB, remanejou cargos na administração na tentativa de conter os vereadores que pedem seu impeachment - Pablo Jacob / Agência O Globo A imagem do cartão da servidora se alastrou pela internet. Seus telefones foram divulgados maciçamente. A foto dela foi parar na TV. O samba criado para Márcia diz: Se não tem vaga no SUS/Nem remédio na farmácia/Fala com a Márcia/Fala com a Márcia”. “Estou assustado”, contou Luiz Fernando Cordeiro, o compositor. “Nunca tive uma repercussão dessa.” Segundo ele, que trabalha como advogado no Sindicato dos Petroleiros do Rio de Janeiro, a letra foi composta dois dias depois da revelação das benesses prometidas. Cordeiro a cantou publicamente pela primeira vez no Botequim Vaca Atolada, um bar no centro da cidade onde compositores se reúnem toda terça-feira para exibir sambas inéditos e autorais. Compartilhada por WhatsApp, a música se tornou sucesso instantâneo. Faz várias referências à agenda escondida de Crivella. Para a promotora Gláucia Santana, que investiga casos de improbidade no Ministério Público (MP) estadual, as ofertas de Crivella engrossaram a investigação iniciada 11 meses atrás. O MP anotou quando integrantes da Guarda Municipal foram questionados pela prefeitura, num censo registrado em formulários, sobre sua religiosidade; quando a prefeitura cortou recursos de eventos como a Parada Gay e a tradicional procissão em homenagem a Iemanjá; ou quando demitiu funcionários comissionados para abrir espaço para aliados da igreja. Três pedidos de impeachment de Crivella foram protocolados na Câmara Municipal. A oposição tenta reunir forças para obter a difícil maioria em favor do impeachment. Em plenas férias, os opositores conseguiram um terço da Casa para pedir a suspensão do recesso. Crivella alegou que já fez 1.000 encontros do tipo, com diversos setores da sociedade. Contudo, mesmo sendo instado a dar detalhes, manteve-se calado. Mobilizou sua base a reagir. Movimentou a caneta para remanejar cargos na esfera municipal. E saiu a desancar a imprensa.

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