A Copa dos 'excluídos': moradores de rua de BH acompanham os jogos da Seleção

O semblante sério do jovem Maikon Douglas, de 21 anos, em frente à TV, é de reprovação. O motivo não é apenas o fato de morar há três meses debaixo do viaduto da avenida Francisco Sales, no bairro Floresta, região Leste de Belo Horizonte. É também a tensão em acompanhar o jogo sofrido entre Brasil e Costa Rica, pela fase de grupos da Copa do Mundo. A matéria continua após a publicidade O rapaz não está sozinho na dificuldade, muito menos no interesse pelas partidas da Seleção. Se nos bares da capital centenas de pessoas se aglomeram para ver as partidas, nas ruas onde reside uma população de quase 5 mil desabrigados, há também muita atenção aos lances do time canarinho. Na moradia improvisada, sem banheiro e água potável, onde vive junto com um amigo em situação de rua, Maikon reclama do desempenho da equipe comandada por Tite a cada lance. “Jogando assim a gente não vai ser hexa de jeito nenhum”, afirma. Ao redor da “sala”, além da TV, há um emaranhado de cobertores, roupas rasgadas, recipientes com restos de comida, embalagens vazias e muito lixo. O ambiente escuro só é iluminado pela tela do aparelho analógico, que ficou meses desligado pela ausência de um conversor digital.
“A prefeitura de Belo Horizonte está em fase de estruturação de um Centro de Referência para a população em situação de rua na regional Noroeste, além da estruturação de uma unidade integrada de assistência social e saúde, principalmente para as mulheres, devido à maior vulnerabilidade e risco social” José Crus Subsecretário de Assistência Social
  Paixão A situação completamente adversa não esconde, no entanto, o interesse pela competição. Corintiano, Maikon relata que aprendeu a amar o futebol na infância, quando ainda vivia em São Paulo, onde nasceu e foi criado. Porém, ele conta que depois de se envolver com drogas e uma sequência de brigas familiares, acabou saindo de casa e deixando de lado a paixão. “O negócio é que na Copa nós voltamos a gostar, não tem jeito”, confessa. “Mas esse time tem que melhorar muito”, pondera o rapaz. Com o ensino fundamental ainda incompleto e sem expectativas de conseguir um emprego, o jovem deposita na equipe verde e amarela as poucas esperanças que ainda tem. “Vamos ver se esse time traz alguma alegria para gente, né? Porque não está fácil não”. Vontade de acompanhar o jogo reúne amigos ao redor do radinho “Quem não tem cão, caça com gato”, afirma Florindo Ferreira da Costa que, sem a possibilidade de assistir ao jogo do Brasil pela TV, acompanha a partida pelo radinho de pilha, colado no ouvido. Aos 60 anos, 15 deles morando na rua, o ex-jardineiro nascido no Vale do Jequitinhonha expressa alegria ao falar sobre as expectativas a respeito da campanha da Seleção no mundial. Mesmo aflito diante das dificuldades enfrentadas pelo time frente ao adversário costarriquenho, ele afirma sem hesitar que a equipe brasileira está melhorando a cada confronto, e será o campeã da Copa. “É claro que vamos levar essa taça. Você ainda pergunta?”. Na calçada da avenida do Contorno, esquina com a rua Sapucaí, onde mora com duas mulheres e quatro cachorros, Florindo lamenta a impossibilidade de ver os jogos, mas garante que pelo rádio também consegue se emocionar. “A gente torce do mesmo jeito. É só imaginar a jogada”, conta.
Segundo a Secretaria Municipal de Políticas Sociais, haverá também a ampliação da equipe do serviço especializado em abordagem, incluindo nos grupos de trabalho pessoas que já estiveram em situação de rua. Além disso, segundo a pasta, está prevista a inserção de 40 desabrigados no programa Bolsa Moradia
Cobranças A vontade de ver o Brasil levantando a taça de campeão reúne pessoas em todos os lugares e, na rua, não é diferente. Dailon Santana e Sheila Farias, que moram na calçada da avenida do Contorno, em frente à rodoviária da capital, se juntaram a Luiz Pereira, residente de uma barraca vizinha, para ouvirem juntos o jogo. Apesar de céticos quanto à conquista do título, os três permaneceram lado a lado, antenados a cada lance narrado. Mesmo com a vitória por 2 a 0, o tom de cobrança por mais amor à camisa permanece. “Esse tipo de jogo tem que ser vencido sem dificuldade. Tomar pressão para a seleção da Costa Rica é palhaçada”, critica Dailon. “Para o salário que esses caras ganham, estão fazendo muito pouco”, completa Sheila. Já para Luiz, o que mais atrapalha é a vaidade dos atletas. “Antigamente, quando futebol não era essa coisa glamourosa, eles eram mais sérios”, diz. “Imagina se um Pelé ou um Garrincha ficariam caindo como o Neymar?”, questiona.
morador de rua
Radinho de pilha é alternativa para torcedores sem TV que não abrem mão de torcer pela Seleção
[caption id="attachment_14140" align="alignnone" width="652"] "Quem não tem cão caça com gato", brinca Florindo, ao comemorar os gols do Brasil pelo rádio (Foto: Flávio Tavares)[/caption]    

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